O mainstream




Ele produz coisas excelentes, sem dúvida, mas cobra seu dízimo. O cálculo é simples: o mainstream exige que se agrade a todos. E quem agrada a todos é a média. Há os que descem ao inferno tendo que produzir mediocridade. Há os que abaixam a cabeça e contam a grana.

A Miramax surgiu da vontade de dois irmãos gordos e anônimos, vindos do Queens, de serem alguém no mundo. O primeiro passo foi comprar um teatro pulguento onde eles agendavam bandas de rock. Nos dias em que não havia show, eles exibiam filmes. Harvey costuma dizer que sua vida mudou quando ele assistiu à The 400 Blows, de François Truffaut. O filme trata de um tema relevante e atemporal: revolta juvenil. E quer combustível melhor para inspirar alguém a enfrentar o mainstream?

Depois de alguns anos distribuindo filmes semi-desconhecidos, os irmãos Weinstein resolveram que era hora do próximo passo. Que acabou sendo em falso. Decididos a virar os novos Scorcese, eles escreveram e filmaram um dos piores filmes já feitos, Playing for Keeps. É a história de uns adolescentes que herdam um casarão numa cidade pequena e a transformam num Rock’n’Roll Hotel!?! Durante as filmagens, ele brigaram entre eles, com os atores, com a equipe e até com a mãe Miriam no dia em que ela foi visitar o set (o pai se chama Max).

Após assimilarem o fracasso de Playing for Keeps, os irmãos Weinstein decidiram que dirigir não era para eles. Espertamente, calcularam que diretor entra e sai de moda. Mas quem manda mesmo na bagaça são o produtor e o distribuidor. “Peraí, mas e se nós dois fossemos os dois?”

Quase na mesma época em que os Weinstein compraram seu pulguento teatro, um famoso ator de Hollywood decidiu ocupar seu tempo entre dar uns malhos na Sonia Braga e transformar seu resort deficitário, localizado nas montanhas de Utah, num festival de cinema independente. Para batizá-lo, Robert Redford escolheu o nome do personagem de um dos seus mais famosos filmes.

Durante dez anos, tanto o Sundance Institute quando a Miramax tiveram pequenos exitos, alguns avanços, mas muitos tropeços. Nesses dez anos, quase a totalidade das pessoas que ajudaram a fundar Sundance e Miramax saíram em busca de “novos desafios”. Na maior parte das vezes, por causa do eterno dilema: crescer significa “se vender”? Fazer sucesso é abrir mãos dos ideais?

Pois, nesse momento, quando muitos duvidavam do futuro das duas marcas, surge um filme que iria iniciar a tomada de Hollywood pelo Indie.

Sex, Lies and Videotape, escrito e dirigido por Steven Soderbergh, iniciou a mudança do negócio do cinema americano e, por consequência, mundial. Com orçamento modesto e roteiro ousadamente recheado de longos monólogos, é considerado o primeiro filme da X Generation.

Foi indicado ao Grand Prix de Sundance, mas acabou levando “apenas” o Prêmio da Audiência. Foi o suficiente para fazer com que fosse disputado a tapa por todos os distribuidores americanos.

No entanto, quem venceu foi a Miramax, um verdadeiro azarão. Um dos trunfos de Harvey foi levar a campanha de divulgação do filme já criada. Ninguém fazia isso.

O filme de Soderbergh também ganhou o Grand Prix de Cannes e foi indicado a dois Oscars.

Hollywood percebeu que talvez fosse possível fazer filmes com baixo orçamento e muito lucrativos (U$ 24 milhões nos EUA e U$ 30 milhões worldwide) que não destruam Nova York, sejam sobre super-heróis ou contem histórias de amor com Meg Ryan e Tom Hanks.

Agora, se Soderbergh é importante na história de Sundance e Miramax, foi um atendente de videolocadora que fez o universo indie conquistar definitivamente Lalaland.

Reservoir Dogs foi escrito por Tarantino nos laboratórios de Sundance. O que não o livrou de, depois de pronto, quase ser barrado no mesmo Sundance. Muita violência, exaltavam-se alguns membros do comitê do festival. Já o público dizia que o filme levaria o Grand Prix. Não levou. Mas Harvey gostou do que viu e comprou Reservoir Dogs, que arrecadou pouco nos EUA, mas virou cult na Europa.

Bem, encurtando a história, depois disso veio Pulp Fiction and the rest is history.

Agora, o mais interessante é que, enquanto cresciam às custas de Soderbergh e Tarantino, Sundance e Miramax fizeram concessões ao “sistema”.

A Miramax foi comprada pelo estúdio mais careta e establishment do mundo, a Disney. Sundance abriu uma cadeia de cinemas.

E o que os dois ícones do indie fizeram com a grana do mainstream?

Mudaram o mainstream.

Comments

Anonymous said…
texto foderoso.
Anonymous said…
falou o revolucionário
Anonymous said…
belo texto. Mas deixa eu ver se entendi: vcs estão prestes a vender a agência ou ganhar uma grande conta, é isso?
Anonymous said…
maybe both?
Anonymous said…
maybe none?
Anonymous said…
Parabéns pelo blog. Dá gosto de ler coisas assim. E o trabalho de vcs é realmente diferente de tudo o que a gente vê por aí. Sorte.
Anonymous said…
nossa, linhas tão interessantes, que trazem informações incríveis sobre a história do cinema, e vocês aí em cima preocupados com as entrelinhas?

que coisa mais teoria da conspiração!

tudo tem um motivo, tudo tem um significado, tudo quer dizer algo que não foi dito?


É por isso que parte das pessoas faz o que gosta e ainda ganha grana. E a outra parte, só fica tentando entender o que eles quiseram dizer.

Go, AG.
Anonymous said…
vc podia ser jornalista

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