COMO SE FAZ UM PAÍS?

Estamos cansados. Ninguém suporta mais tanta canalhice, tanta briga por poder, tanta baixaria em meio a vaidades ensandecidas para salvar algo que já se perdeu por completo: a boa e velha esperança por dias melhores. Ninguém agüenta mais. Mas, espera aí, o brasileiro não vive de esperança? Não somos o país de eternos resignados? Não somos aquele povo que padece de um mal chamado ‘memória curta’? Não somos os flagelados em busca de um pai que, volta e meia, nos larga na mão? Pois é, somos tudo isso, mas estamos de saco cheio. Precisamos urgentemente de um refresco. Um sopro de vida para podermos nos reanimar e continuar nessa insana batalha de tentar (re)construir um país.

Não é possível! Por que o Brasil não dá certo? Temos tantas coisas boas. Por que, meu Deus? Roberto DaMatta, o nosso sábio antropólogo, tem uma resposta no mínimo peculiar: "Só Deus. Só Deus sabe". Mas isso lá é resposta no momento em que precisamos de um país? Claro que somos o país do misticismo, mas deixar que Ele, lá em cima, seja o único a nos dar uma solução, é injusto. Ele deve estar cansado também. Já deu tanta força. Nos deu rios, florestas, o sol, praias e mulheres lindas. Nos tirou da rota dos Katrinas e das tsunamis. Nos deu Pelé, Chico Buarque, Mário de Andrade. Nos deu o Rio quando era o Rio. O que mais podemos exigir Dele?

O Brasil, ah, o Brasil, para onde vamos? Estamos cada vez pior. Coisas loucas acontecendo. Por exemplo, acaba de sair na TV que encontraram um míssil numa favela do Rio. Um míssil? Meu Deus, pronto, com todo respeito, e sem querer entrar no mérito político da questão, a Faixa de Gaza é aqui! Só nos faltam os homens e mulheres-bomba para detonar a bomba-relógio em que se transformaram todas as margens dos nossos centros urbanos. Como se diz aqui na Bahia, “tá danado”!

O soco final veio em forma de filme-documento. Os ‘falcões’ de Bill e Celso Athayde nos socaram o estômago, os olhos, a mente, o coração. Mas será que já não sabíamos de tudo aquilo? Chocar apenas, não adianta lá muita coisa. Nem muito menos esperar que o governo faça algo, resolva aquela tragédia que, embora não nos apercebamos, compromete não só as vidas de cada uma daquelas crianças, mas, essencialmente, o projeto de futuro de um país. Quando um menino de apenas dez anos declara com todo sangue frio que se ele morrer, logo vem outro, que seu futuro não existe, não dá para esperar e pensar que temos a solução. Estamos nus, sem alternativas. Assim, nos agarramos a Deus.

A corrosão de nossa sociedade chega a limites inimagináveis. Ao vermos o documentário de Bill, nos curvamos e caímos prostrados diante do lado mais fraco. A parte forte, as gentes que alimentam o tráfico, que transformam pessoas em escória, seguem sua vida de Zona Sul, intocáveis, consumindo, produzido mortos-vivos, assassinando a nossa infância. Ficamos perplexos ao darmos de cara com a miséria absoluta, violência cruel, a ausência de lei, de Estado. Desabamos com a dor dilacerante de mães que guardam as roupas de seus adolescentes mortos para simplesmente não deixarem que o vazio de suas almas e corações as leve à loucura. Bill mostra a escuridão em que vivemos, aquela que fazemos de conta que não existe até que ela nos mande recados... duros, aterrorizantes. Aquela escuridão que nos separa gravemente do que poderíamos chamar de país. Bill, um favelado, nos deu um belo tapa na cara.

Quando a gente vê o primeiro astronauta brasileiro lá no espaço, tocando a bandeira brasileira que carrega no braço esquerdo, tentando a todo custo desfraldar uma outra no ambiente de gravidade zero, todo orgulhoso, cheio de gás para experimentar como feijão cresce no espaço, a gente se enche de ufanismo e pensa no país que ele quer homenagear. Para que país ele está falando? Será que saber se feijão cresce no espaço contribui para construir um país? Mesmo admitindo a simpatia do nosso coronel Pontes, a pechincha de dez milhões de dólares que se gastou na carona mais cara do planeta, se chegasse aos meninos de Bill, e fossem bem usados, seria possível resgatar vidas perdidas para assim beijar de verdade aquela flâmula verde-amarelo e se encher de esperança. Mas não chega. Marcos sorri, testa o feijão. Os meninos de Bill, matam e morrem. Apenas isso lhes resta. É o que resta de um país. Um país que cansa.

Estamos muito cansados. Com tanta corrupção, falcatruas mil, governos que se revezam e não conseguem diminuir o fosso entre ricos e pobres. Mas delatar o óbvio, reclamar, espernear não contribui muito para a solução. Seria a mesma coisa que jogar nas mãos de Deus essa tarefa que pertence a cada um de nós. É preciso agir. É preciso entender que tudo que acontece no Brasil e que nos atrasa como país tem um pouco da nossa indiferença, ou, no mínimo, da nossa confortável omissão. O homem moderno, principalmente o urbano, está ficando especialista em dar uma de avestruz. Enfiamos a cabeça no primeiro buraco que aparece exatamente para transferir para o outro a culpa ou a responsabilidade por não se implicar na construção de um país.



Jogar nas mãos de Deus é muito cômodo. Somos um país poderoso, e mesmo assim não decolamos para enfim deixar para trás as chagas de Terceiro Mundo que nos perseguem e nos prendem ao solo manchado de grandes promessas que ao longo da nossa história não deram em nada. Somos um povo alegre, maravilhoso, criativo, inovador, produtivo, mas sequer levamos cinco por cento dos nossos jovens a cursarem a universidade. Temos medicina de ponta, mas ainda deixamos que mosquitos nos matem de dengue e malária. Desperdiçamos comida. Nos esvaímos com diarréia. Perdemos de vez a nossa saúde. Física, mental, social, moral. Estamos doentes. Só milagre, meu Deus!



Enfim, somos um país vivendo à espera de um milagre. O milagre econômico, o milagre político, o milagre social. Até a ditadura nos vendeu esse sonho. Um sonho sempre de cima para baixo. Sempre esperando que alguém lá do palácio, do planalto nos mandasse a solução. Mas será que isso pode mudar? Será que podemos dar uma trégua ao Nosso Senhor? Como é que vamos (re)construir esse país? Ninguém sozinho traz respostas. Deus, claro, ajuda, mas esse país nos pertence. Sendo assim, que tal a gente pensar no que fazer para torná-lo digno de cada um de nós? E nós, dignos dele? Que tal a gente se implicar, denunciando, conscientizando, votando corretamente, exigindo nossos direitos, cumprindo os nossos deveres? Para quem esqueceu, é dessa forma que se constrói um país. Trabalho de formiga. Na família, no prédio, no bairro, na comunidade. Portanto, é hora de assumirmos uma tarefa que é nossa, não de Deus. Ele, com certeza, nos dará uma maõzinha, mas esse trabalho é nosso. Trabalhemos!!! Não é assim que se constrói um país?


Sávio Siqueira
09 de abril de 2006

(Dica do nosso amigo Ronald Assumpção.)

Alex

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