Grandes Bosta & o humor local

O humor é uma forma de arte que envolve sensações tão primais, tão básicas, que no campo sensorial provavelmente só perde para a pornografia.
Um paralelo como esse pode ajudar a explicar o porquê do humor, sobretudo por essas terras, ser considerado uma forma de arte menor, ou pior; sequer ser considerado arte.

Mas ser subestimado e ter seu título renegado não é privilégio apenas do humor.
Como "moda" pode ser arte? Como aquilo que todos nós fazemos todos os dias antes de sair de casa pode ser considerado um meio de manifestação artística? Assim como no humor, esta visão se dá por basicamente dois fatores: imersão e não-desenvolvimento.

1. Por imersão quero dizer que: se é uma coisa que você vê todo dia, faz todo dia, usa todo dia, isso não pode ser arte. Arte é aquela coisa séria e distante que custa caro, não se entende picas e que apenas os gênios, malucos e os veados fazem. E veado é o teu pai.

2. Por não-desenvolvimento quero dizer que: se não há uma busca para um resultado específico naquilo que você faz, dificilmente você conseguirá enxergar arte ali. E quem é que pode culpar um povo por não exergar arte no humor e na moda quando o vestuário existe apenas por conta de uma cara convenção social e o humor é utilizado como um alento, uma forma mais fácil de encarar a vida?

A identidade do humor brasileiro está no deboche, na dor. Está nas raízes etimológicas da palavra “comédia”. Mas não há arte onde não existe desenvolvimento artístico. O humor britânico, por exemplo, diferentemente do humor brasileiro que é usado como um substituto natural e gratuito à morfina, é usado pelos ingleses há séculos como uma forma de esgrima social. Os ingleses estão sempre aperfeiçoando suas técnicas, testando novos movimentos, afiando seus floretes verbais, enquanto que aqui é a situação que determina a existência e o teor da piada.
A intenção e a busca pelo desenvolvimento, seja do que for, faz com que este seja-o-que-for nasça em você sob forma de arte. É quando ela deixa de ser alegoria da mensagem para ser sua estrutura. Mas este é apenas o processo que deve existir no receptor, para o artísta é ainda necessário repertório, engenhosidade e principalmente talento para expressar o seu discurso.

Quando se percebe isso fica claro que não é possível fazer humor “tailor made”, coisa que infelizmente vem há tempos acontecendo em nosso cenário local impedindo a sua evolução. Salvo raríssimas exceções, tudo o que temos são comédias tolas, programas de auditório jurássicos, sitcoms baratos, escritos por redatores que acreditam terem encontrado a fórmula mágica perene da estrutura humorística e encenada por atores que tem ainda menos carisma do que cromossomos. Todos eles insultando a inteligência de seus espectadores ao passo em que perpetuam uma herança maldita naquilo que deveria de fato ser uma especie de patrimônio nacional.

Com o tempo o melhor do humor foi sendo jogado às formas menores e mais segmentadas de mídia, tanto que antes da chegada da internet o que havia de melhor no humor estava nas rádios. Com o início dos blogs esta lacuna começou a ser preenchida aos poucos por alguns bloggers bastante talentosos, gente que não ganhava nada escrevendo o que escreviam, e que estavam lá apenas dando vasão a seus sentimentos e criações. A interatividade do meio ajudou na formação de um público cativo que conseguia se organizar entre si, e desde que o humor nacional estava oficialmente morto com o declínio d’O Pasquim e o cancelamento da TV Pirata em 92 (que já agonizava a partir de 90), não era de se estranhar que o humor dessa geração fosse uma verdadeira antropofagia daquilo que lhes serviu de refugio em tempos de crise: Simpsons, Monty Python, Seinfeld, Mel Brooks, Irmãos Marx, Douglas Adams, Terry Pratchett, etc.

Hoje, com as atenções todas voltadas à internet, ensaia-se um movimento reverso do conteúdo. Assim como aconteceu com a música recentemente, onde as bandas popularmente demandadas começaram a saltar das mp3 para o main stage, estamos vendo lentamente este pessoal ganhando forma nos meios mais tradicionais e por consequencia chegando ao grande público.

Aqui em São Paulo um grupo de amigos com base na internet, tomou forma “física” e começam a apresentar seus sketches em teatros e TV sob a alcunha de Olaria Grandes Bosta, onde escrevem, dirigem e atuam. Uma genial fusão do humor anárquico estrangeiro com o espírito das nacionalíssimas trupes mambembes daqui. Uma galera com bastante personalidade, cheia de boas referências, ótimo repertório, humor engenhoso e deliciosamente pretencioso. E, ainda que seja evidente as suas influências, eles fazem um humor definitivamente brasileiro. E é necessário muito talento para isto também.

Fiquem de olho neles. É verdade que a cena não está totalmente fortalecida, mas este pode ser o começo de uma maravilhosa revolução cultural. No final das contas, como sempre, quem vai dar o aval para esta mudança é o público.
Mas hoje eu acordei com esperanças. O período cretáceo tarda, mas eventualmente chega.

Rumo à extinção dos dinossauros!

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Ah, e entrada do site da OGB é à la Kessels Kramer; cada refresh uma coisa diferente.

Comments

Anonymous said…
mas...e o mussum?
Anonymous said…
Parabéns Angelo Máximo. Pelo ótimo enredo. Agora sou teu fã incondicional. Gamei!
Adonis_C said…
Nós achamo muito bacana o texto, mas pelo preço combinado com o Máximo consideramos que esse post precisava exaltar mais a Olaria, que essa lenga-lenga de "grupo interessante e inteligente" não cola muito bem no mainstream.

Gostaríamos que o post fosse editado, que vocês colocassem mais figuras - porque, vamos combinar, só esse texto branco no preto não rola - e que a escolha semântica fosse melhor executada.

Pelo preço que vocês cobram sinceramente achamos que merecíamos mais.

Atenciosamente,
Adonis Comelato
Depto. de Comunicação & Manipulação Informacional da Olaria GB
Anonymous said…
Hey Adonis...Teu blog faz parte da GB?
Anonymous said…
e em versão curta é mínimo?
Anonymous said…
Não, em versão curta chama "resumo".

E resumo é para os FRACOS.
Anonymous said…
mas a vida é muito curta para um post tão longo!
Anonymous said…
... e, no entanto, se fala.
James said…
post longo, vita brevis...
Anonymous said…
Não preocupem, eu não tenho câncer.

Hoje mesmo fiz o auto-exame e minhas mamas estão maravilha.

Ainda posso me dar ao luxo de deitar na cama e encarar o teto por horas sem pensar em nada, assistir um filme iraniano e escrever textos longos que só uma ou duas pessoas lerão.
Anonymous said…
peraí, sargentogarcia, não vamos por a mama no meio da discussão.
Anonymous said…
o máximo já virou um clásico do invitro, e isso em tempo recorde.
avanti.
Anonymous said…
Excelente texto, rapazola.
Anonymous said…
vovó danada??? caraiú, fudeu!

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